quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Cap. 10 – Mi vida en tus manos...

No dia seguinte acordei sentindo um cheiro de polícia no ar. Chamei o Eric pra cairmos fora de Cienfuegos, pois já havíamos conhecido toda a cidade. Ele topou e resolvemos ir pra Trinidad, uma cidade de praia a uns 90 km dali.

Comunicamos a Lina, que ficou muito triste com nossa partida. A mulher é tão gente fina que preparou lanches imensos pra nós levarmos na viagem. Disse que a casa estava sempre aberta pra nós, que tinha ficado muito feliz com a visita, etc. e tal. Ainda nos deu de presente dois bordados que ela fez. Esta mulher é realmente muito gentil.

Quando estávamos prontos, só esperando o Eric sair do banheiro, ela me puxou de canto e começou a se lamentar mais ainda com nossa partida. Disse que ia sentir nossa falta, que tinha gostado de nós, que nós alegramos a casa, que ela passa o dia todo sozinha, sem ninguém pra conversar, pá pá pá. Disse que vive insistindo com a Lissete pra que arranje um filho, assim ela teria um neto pra cuidar e se distrair.

“Xiiiii Tião, olha a véia aí rogando praga pra você! Tá lascado, mermão!!!”

“Sai fora, Johnny. Digo, vumbora logo dessa porra!!!!”

Quando estávamos quase entrando na guagua pra rodoviária tomei um susto!

ESQUECI O TIÃO NA CASA DA LINA!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

BARALHO!!!!! Deixei o T-Rex conversando com umas amiguinhas na estante e esqueci de buscá-lo!!! Voltei correndo lá! Nossa amizade que tinha começado a voltar a ser como antes estava em frangalhos novamente!

Tião estava completamente possesso!

Seu F.D.P., você me largou lá de propósito com a Lina e sua arenga de preto velho querendo arranjar filho pra mim!!! Quer me fuder, me beija porra!!!! O que você vez é imperdoável!!!!”

Enfim, pegamos um busão (zuado, cheirando a mijo seco) pra Trinidad: Eric, Tião e Eu. Antes, da rodoviária mesmo, liguei pra Margarita, uma indicação de casa particular em Trinidad que o Enrique havia me passado. Ela disse que havia quarto disponível e que iria nos buscar na rodoviária com um cartaz escrito nosso nome. Reforçou que nós deveríamos procurar o cartaz! Fiquei imaginando se haveria tanta gente assim na rodoviária...

Bom, quando chegamos lá havia uma centena de donos de casas particulares desesperados por turistas, gritando ensandecidamente “casa particular!!!!” “casa particular!!!”, mostrando álbuns e álbuns de foto, disputando os gringos a tapa! Coizahorroróóza!!!!

Depois de uns 5 minutos encontramos Margarita com o cartaz escrito “João / Eric”. A casa dela é bem aconchegante e o quarto confortável. Ela se ofereceu pra preparar um almoço por 8 CUC cada e aceitamos. Estava muito bom! Tinha peixe, camarão, salada, arroz, suco, sobremesa, tudo bem servido.

Depois saímos para dar uma volta, reconhecer a cidade e Eric fazer um mapeamento de todos os orelhões disponíveis para fazer chamadas internacionais... Eu aproveitei pra usar a internet de um hotel pra ver se tinha algo do Enrique... nada sobre o tal amigo cuja mãe trabalha na Imigração...

Mandei um e-mail pra ele perguntando se tinha alguma posição e finalizei com:

Enrique... mi vida está en tus manos...”

Não havia o que fazer... minha vida de fato estava nas mãos do Enrique... procurava pensar o mínimo naquela situação, pra não ficar encanado e estragar a viagem...

Tião também usou a internet mas só por 2 minutos.

Já, Tião?”

“Já... só tem e-mail com títulos ‘cadê você?’, ‘urgente’, ‘me ligue assim que ler este email’, ‘filho, dê notícias, estou desesperada’, ‘por que seu telefone está desligado, seu cachorro?’, ‘você tá aonde, COM QUEM?’, ‘a dívida venceu e você não me pagou’, ‘você não vale nada...’, ‘definitivamente desisto de você’ ... só bucha, Johnny.... eu vim foi pra relaxar... hehehehe”

Passamos numa agência de viagem e Eric encasquetou de fazer um tour a uma cachoeira no dia seguinte. Eu não estava nem um pouco a fim, pois aquilo me parecia extremamente turístico. Me dá arrepio entrar naqueles ônibus sightseeing cheio de turistas munidos das câmeras fotográficas com poderes microscópicos, um guia retardado que não pára de falar, e um monte de retardado escutando e tirando foto como se tivesse num zoológico apreciando animais em suas jaulas. Enfim, Eric fechou o pacote sozinho pois Tião (que agora tinha total controle sobre o resto da viagem) decidiu que iríamos à praia no dia seguinte.

Trinidad é uma cidadezinha pequena, estilo colonial, com todas as ruas de paralelepípedo, casarões antigos e uma bela Praça Central com a Catedral, um coreto e vários botecos (bodeguitas) e restaurantes. Ali, à noite, o bicho prometia pegar!

Voltamos pra casa de Margarita, tomamos um banho e nos preparamos para night. Estávamos saindo quando o Eric me aparece não apenas com sua ultra-mega-gigante-telescópica Canon, como também com todo o aparato de tripé, etc. e tal.

Eric, onde você pensa que vai com isso...?, questionou Tião em tom intimidatório.

Tirar algumas fotos noturnas...”

“Não, não e não... nós vamos sair pra tomar todas, bailar salsa, conocer las chicas! Essa câmera e este tripé não combinam nada com a ocasião!”

Não teve jeito, o infeliz saiu travestido de fotógrafo da National Geographic. E nós ao lado pagando o maior mico...

Nessa noite fiz uma lavagem cerebral na cabeça do viking. Quase consegui convence-lo a retomar a viagem pelo mundo.

Enfim, quase... lá pela tantas ele voltou pra casa sozinho. Eu e Tião caímos na gandaia etílica amorosa. Não sei o que acontece, mas sempre quando é noite de lua cheia, chega uma hora que Tião e eu nos tornamos a mesma pessoa....

Parece lenda do lobisomem.


Trinidad



No dia seguinte tomamos um belo café-da-manhã na casa da Margarita. Eric foi pro passeio de turista. Eu me mandei pra praia, pois na festa à noite havia conhecido uns brasileiros (os únicos de toda a viagem... surpreendente...) que me disseram que lá havia um “esquema”...

A Margarita falou que eu tinha que pegar um ônibus vermelho (a praia fica a 12 km da cidade, que está no topo do morro) num ponto tal. Cheguei lá e o busu já tinha passado... tive que ir pra praça central pegar um táxi, pois não havia outro jeito de chegar na praia. O busu só passava 3x por dia.

No es facil...


A cidade é bem pequenininha e no caminho era engraçado ver a moçada da festa na noite anterior. Todo mundo com uma cara de ressaca misturada com “fiz muita merda ontem”. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Chegando lá na praia, Tião fez uma coisa que o mestre José Carlos Ribeiro lhe ensinou: molhou, então, o dedo de cuspe e sentiu a direção do vento. Ele podia jurar que o vento nos encaminhava pro puteiro mais próximo.

O puteiro em questão era uma escolha de mergulho na beira da praia. Comecei a trocar idéia com os dois instrutores (Leonid e Igor). Eu já havia feito um curso de mergulho no Brasil mas não tinha a carteira internacional pois faltei no dia da prova (kkk). Enfim, xaveca daqui, paga um rum dali, um banho de mar acolá e o preço foi baixando... e as condições foram ficando melhores... E quando estavam em ótimas condições de temperatura e pressão, faltava um detalhe... ir e voltar todo dia pra praia desde Trinidad era muito fora de mão... O onibus saia as 9 da Trinidad (o pessoal ia mergulhar cedo), pegar um táxi todo dia pra ir e voltar tava fora do orçamento.

Daí o Leonid falou que tinha um amigo que era o chefe da agência de viagens do governo (lá tudo é do governo. Ainda que todos os empreendimentos turísticos sejam administrados por grupos estrangeiros, o Estado tem, no mínimo, 51% do capital de todas as empresas), que podia tentar me ajudar...

Senti o cheiro do tal “esquema” dos brasileiros no ar. Em Cuba, tudo é esquema. As pessoas ganham muito mal e fazem vários rolos pra sobreviver, ou viver melhor. Como todo mundo trabalha pro governo, desvia o que lhe está ao alcance. Exemplo: se uma mulher trabalha numa avícola do governo, rouba um frango por dia. Se uma pessoa trabalha num hospital, rouba remédio pra vender no mercado negro.

Enfim, eis que me aparece o tipo. A cara já dizia tudo... o nome: Carlos. De pronto o apelidei (apenas pra mim e Tião) de Carlos, o Chacal... (aquele terrorista venezuelano). Comecei a conversar com ele. Troca idéia daqui, questiona dali, sonda de cá, joga um verde de lá. No final da tarde ele nos perguntou até quando poderíamos ficaria por lá. Pra botar uma pressão Tião falou que tava pensando em ir embora no dia seguinte. Ele falou pra ficar mais um dia e retornar lá na manhã seguinte pois poderia rolar uma “coisa bacana”.
Chuta qual o nome da agência de viagens??? Cubanacan! Lembrei daquela novela Uga-Uga! kkkkkk


Carlos, o Chacal


Voltamos pra Trinidad e encontramos o Eric todo pintado de laranja. Sim, durante o tour o guia pegou uma tal fruta laranja e pintou a cara de todos os participantes. Agradeci por não ter ido naquele tour e pagado aquele mico de aparecer na casa particular pintado de buriti...

Enfim, Eric resolveu voltar pra Havana no dia seguinte (ele tinha que voltar pro México, por ordens da chicana...). Nós ficaríamos lá mais um dia, pelo menos, a conferir o esquema do Chacal.

À noite Margarita preparou um jantar espetacular de LAGOSTA!!! Por apenas 12 CUC!!! Algo como 10 euros pra comer lagosta com vários acompanhamentos. Eu nem lembrava mais o gosto de lagosta... Agora estava me esbaldando pelo preço de um Big Mac.

Depois Margarita veio com um tal livro de registro que eu e Eric devíamos assinar. Segundo ela, tinha a obrigação de informar as autoridades policiais e imigratórias sobre o fato de estrangeiros estarem se hospedando (legalmente) na sua casa particular.

Gelei.

Expliquei mais ou menos a minha situação (não podia abrir muito o jogo pois ela não podia saber que eu tinha ficado na casa do Enrique, falei que era uma amiga qualquer).

Ela perguntou se era cubana. Eu disse que sim. Ela respondeu que essa pessoa poderia tomar uma multa de 1.500 CUC e, se reincidente, ter a casa confiscada....

CARÁLEO.... o Enrique poderia tomar uma multa que é de 100 vezes o salário dele ou até perder a casa por minha culpa?

E emendou dizendo que agora, assinando aquele livro dela, no dia seguinte ela levava no escritório da imigração local (era uma obrigação dela) e eu começava a “entrar no sistema”, portanto o governo ia saber que, finalmente, eu dei entrada num estabelecimento legal e ia saber onde eu estava. Ela falava tudo aquilo como se fosse a solução dos meus problemas. Entrar no sistema...

Enfim, poderia até resolver um problema – que era, de certa forma, a legalização pero no mucho da minha entrada no país. Mas se a polícia estivesse me procurando, me acharia facilmente. Eu começava a deixar rastros... e não estava nem um pouco confortável.

Fui tomar uns mojitos pra desencanar.




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