quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Cap. 3 – Johnny defumado à moda cubana, embebido com vinagre...

Eu não estava nem um pouco nervoso ou chateado (papo sério). Na verdade, estava achando aquilo muito louco! A viagem já estava começando bem: cheia de imprevistos e fortes emoções. Do jeito que eu gosto!

Além, já possuo uma boa experiência em taxis Lada. Quando cheguei no Egito, em 2005, tomei um Lada-Taxi que perdeu uma roda (!) no meio da estrada às 2 da manhã. Literalmente, estávamos guiando pela estrada que liga o aeroporto à cidade, quando o carro tombou pro meu lado. Olhei pra trás e vi uma labareda de faíscas. Olhei pra frente e vi a roda cruzando a avenida!

Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

Enfim, chegamos bem atrasados em casa (já era noite). Eu estava defumado, pois o escapamento do carro parecia que estava colocado do lado de dentro do carro, bem no banco de trás. Com o tempo vi que essa é uma constante em Cuba. O cheiro característico (principalmente de Havana) é de óleo queimado. Imagine aqueles carrões anos 40, 50, com seus motores V8, desregulados, andando pra cima e pra baixo na cidade, fazendo meio quilômetro por litro. Com o tempo passei a exalar um cheiro de óleo 2 tempos que me persegue até hoje.

A casa do Enrique é ampla mas bem simples. Na verdade, está caindo aos pedaços. São 3 quartos, um banheiro e um quintal grande. Ele já estava nos esperando e não demonstrava nenhuma preocupação pela demora. Acho que já está acostumado com os imprevistos cubanos. Feitas as apresentações, tive uma ótima primeira impressão de todos eles.

Tinha um quarto só pra mim, com uma cama com o colchão afundado no meio. Parecia que um porco de 150kg dormiu ali nos últimos 45 anos. Ok, não me importo. Já dormi num “quarto” com 70 pessoas na Dinamarca. Sim, 70 pessoas. Um cheiro de humanidade que me entoja até hoje. Quando como algo coisa ruim e quero vomitar, mentalizo aquele lugar. Em 2 segundos já pus tudo pra fora.

Enrique tem 32 anos, é engenheiro elétrico, trabalha numa empresa do governo (99% das empregos em Cuba são estatais, ou semi-estatais. Explicarei mais adiante.), tem a parte da frente da cabeça raspada na máquina 4 e na de trás um dreadlock animal (coisa que eu não havia visto nas fotos do Couchsurfing)!!!!
Enquanto o pessoal terminava o jantar, disse a ele que tinha trago alguns presentes e comecei a desempacotar da mochila. Sorrateiramente ele entrou no meu quarto e disse baixinho:

“João, aquele chocolate que eu havia lhe pedido pra Yení, não dê a ela. Na verdade é pra uma ‘amiga’ minha...”

“Ok, Enrique, eu trouxe outras coisas pra ela que você havia pedido, como solução pra lente de contatos e chicletes.”

Tião (meu amigo canalha) já se animou na hora:

“Que DESCARADO este teu amigo, Johnny da Babilônia! Hahaha! Cheio dos rolos. Gostei desse cara.
 Sinto que vamos nos dar bem!!! Hahahaha”

“É Tião... como diria meu pai, “um gambá cheira o outro”. Juízo nessa nova amizade que começa...”


Tião e Enrique: a tampa e o balaio...

Entreguei a eles: uma lata de leite em pó, uma lata de manteiga Aviação (que foi o que eles mais gostaram), café, nescau, etc. Como a ilha é pequena, não há espaço para pasto. Logo, todo produto de gado bovino é muito raro e caro. Leite, manteiga e derivados lácteos são artigos de luxo.

Pra Yení, trouxe uns tubos de solução para lente de contato, outros tantos de umidificadores de lentes, estojos, além de um vidro de doce de leite Havana (que apesar do nome, é argentino, e mais paradoxalmente, delicioso) etc.

Pro Enrique, trouxe um tocador MP3 com músicas brasileiras e um celular.

Tudo isso eu arranquei dele com muito custo, trocando e-mails, perguntando o que eles tavam precisando, pois era fácil conseguir aqui.

Pro Roly, eu trouxe vários refis de aparelho de barba, espuma pra barbear, loção pós barba. Trouxe também um relógio bem bonito Tommy Hilfiger, digo “Tonny Hilfiger” que comprei no xingling ao lado do meu escritório.

A história do relógio é a seguinte: eu iria em julho de 2010, estava tudo certo e tive que adiar na última hora. Na época era aniversário do Roly e eu perguntei ao Enrique o que ele gostaria de ganhar. Enrique me respondeu que há anos o pai estava procurando um relógio novo, mas que preferia ganhar um aparelho de barbear, pois era o que mais necessitava no momento. Mandei por um amigo meu que foi à Cuba na época, um pacote com um aparelho Mach 3, espuma, locao, etc.

Agora levei o presente atrasado e mais alguns agrados. Roly ficou extremamente feliz e não parava de me agradecer. De fato, apesar de chinês, o relógio era bem bonito. Rs

O jantar ficou pronto: arroz, feijão e picadinho. Ocorre que o Enrique, na confusão de fazer o jantar e conversar comigo, se atrapalhou no sal e temperou umas 3 vezes. Estava MUITO salgado. Ninguém comeu muito, mas eu (pra dar uma de educado e fazer graça...) comi tudo sem reclamar...

Depois fomos na casa da mãe do Enrique (Mari), que mora com a outra filha (Wendy) a poucos metros dali. Todas muito simpáticas. Enquanto eu entregava uns presentes pra elas: leite em pó, chocolates, capuccino, café, geléia de amora, Enrique mexia num programa de computador bizarro que servia para desbloquear celulares estrangeiros.

Na televisão cubana passava a novela brasileira “A Favorita” (“La Favorita” em espanhol). Todos são aficcionados por novelas brasileiras em Cuba, incluíndo Mari e Wendy. Ocorre que eu não sabia nada, ou muito pouco da história de Flora e Donatela, mas estava me divertindo com a tradução para o espanhol.

Neste capítulo, Donatela (presumidamente morta) aparece para Flora. As três (Mari, Wendy e Yení) me perguntam se a atriz que fazia a Donatela (Claudia Raia) era um transexual (eu sei lá que porra de boato tava correndo em Cuba, mas outras 257 pessoas, quando descobriam que eu era brasileiro, me fizeram essa mesma pergunta durante a viagem!!!)

Tião, sacana, logo respondeu:

“É! É sim... era homem. Fez uma operação nos EUA há alguns anos e virou mulher. Mas antes da operação foi casada com outro ator famoso, só que ela (Donatela, ou Claudia Raia), tinha um bingolim maior que o do cara. Ele não aguentou a brincadeira diária do troca-troca, porque sempre saía prejudicado, e se separou dele, digo dela...”

Todas ficaram estarrecidas...

Tião adorou o efeito provocado pela resposta e a repetiu nas outras 257 que foi indagado pelos cubanos sobre o órgão sexual de Donatela, digo Cláudia Raia.

Voltamos e Roly me perguntou o que eu achava da nova presidente do Brasil. Ele queria entender como uma mulher que nenhum cubano nunca tinha ouvido falar tinha virado presidente do Brasil. Começamos a conversar sobre o governo Lula e dei uma resumida sobre como os homens de confiança (e possível presidenciáveis) do Lula foram caindo um a um. Quando contei a história do Zé Dirceu, que tinha se exilado em Cuba, ele disse que não lembrava dele, pois naquela época estava morando na União Soviética! Bem louco!!! O Roly é um militar aposentado e morou vários anos na antiga URSS!

Depois fomos dormir. No meio da madrugada os 10 kgs de sal da comida fizeram efeito e acordei com MUITA sede. Aí fiz a primeira MERDA da viagem...: fui à cozinha na ponta dos pés, abri a geladeira, peguei a primeira garrafa de água que vi e, sem dó nem piedade, virei goela abaixo. Ni qui o segundo gole tava descendo a garganta, senti um gosto horrível e a queimação.... era vinagre!!!!!!!!!!! Puuuuuuuuuuuuurrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

CARALHO!!!!!!!! Bebi duas goladas de camelo de vinagre puro! Puta que la pariu!!!!!!!!! A porra do vinagre tava numa garrafa d´água igual às outras, só que na porta, ao invés de deitada nas prateleiras. Em 2 segundos já senti a queimação do estômago e minha gastrite dando as boas vindas cubanas. Nem os dois litros de água que tomei depois, nem as 17 pastilhas Gelmax que chupei foram suficientes. Praticamente nao dormi mais.

No es facil...

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