quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Cap. 7 – Modus vivendi Cubano

Acordei no domingão, tomamos café-da-manhã (que era sempre pão, leite com chocolate e presunto frito. Agora tínhamos também manteiga, que eu havia trago do Brasil). Como o Eric havia chegado e só tinha uma cama, ele dormiu num catre. Emprestei meu sleeping bag pra ele fazer um colchão (olha como eu sou gente fina...) e então tive que improvisar um travesseiro com meu moleton. Não iria ser tão sacana de dar aquele travesseiro do país dos Polyphagotarsonemus latus pra ele.

Dei uma lida num Granma antigo que havia na casa, com uma grande reportagem-entrevista com o Evo Morales. O presidente boliviano apoiava fortemente as reformas implementadas por Raúl Castro, no intuito de modernizar Cuba e melhorar a vida dos habitantes da ilha.


Granma



É de fato impressionante a falta que uma imprensa livre faz... O jornal (único) é totalmente direcionado aos interesses do governo. Tudo que Evo Morales falava era no sentido de apoiar todas as mudanças implementadas recentemente por Raúl Castro. Se o presidente havia tirado um produto da libreta meses antes, Evo Morales falava e falava em defesa daquela atitude. Se o presidente havia determinado a extinção da empresa pública XPTO, lá estava Evo para defender a iniciativa do Comandante en Jefe...

Aproveitei a deixa e comecei um longo papo com o Enrique. Falamos sobre Cuba antiga, Cuba atual, as mudanças e as perspectivas para o futuro. Enrique é um socialista mas centrado, ponderado. Daqueles que dá pra conversar, debater idéias, discutir sem fundamentalismos e radicalismos. Ele acredita em Cuba, no socialismo, mas também não deixa de criticar os desvios, erros e as necessidades de ajustes. Roly também é assim, apenas um pouco mais enfático na defesa do país-regime. Creio que pela idade e pela mais experiência que tem (nasceu antes da Revolução, combateu em Gyron, viveu intensamente o período especial, etc.).

Enrique comentou alguns erros que acha gravíssimos. Primeiro os baixos salários e a equiparação entre carreiras totalmente distintas. Exemplo: ele tem curso superior (Engenheiro Químico) e ganha o equivalente a apenas 15 dólares por mês. Segundo ele, somado com o que o governo dá através da libreta, não se morre de fome. Mas tampouco dá pra viver bem. Por isso, todo mundo faz rolo, bico e desvios em Cuba. Além, o que mais indigna ele é que, por exemplo, um lixeiro ganha o mesmo salário dele!

Palavras do Enrique:

João, não estou criticando ou menosprezando o trabalho do lixeiro. Muito pelo contrário. É um trabalho muito digno e extremamente necessário! De forma alguma eu gostaria de ver a cidade suja, o lixo espalhado na frente da minha casa, até por uma questão de saúde pública. Ocorre que pra ser lixeiro basta ter o ensino médio completo. Eu, ao contrário, fiz faculdade, estudei pra caramba. Não é justo que eu ganhe o mesmo salário! O trabalho intelectual é o trabalho mais cansativo que existe. Por isso tão poucas pessoas o fazem...”

Enrique prossegui me explicando que os maiores salários de Cuba são os de médicos, professores e de policiais. Em geral, 25 dólares por mês... Contou ainda que os médicos querem muito ir para fora (em missões do governo cubano na Venezuela ou em Angola), pois na volta têm seus salários dobrados. Pra 50 dólares mensais...

Creio que a grande vantagem de viajar de forma independente e ficar na casa de locais é exatamente esta. Poder conversar, entender de fato o país, como vivem seus habitantes, o que pensam, quais são suas expectativas, seus planos, etc.

Gosto de deixá-los falar, interferindo o mínimo, fazendo perguntas não-direcionadas, meio no estilo documentário Eduardo Coutinho. Enrique prosseguiu falando, falando, expondo suas idéias e concepções ideológicas. Perguntei a ele se conhecia a Yoani Sánchez e o que achava dela.

Ele me disse que sim, a conhecia, que já tinha lido o blog dela mas não gostou. Disse que ela exagera demais, que a vida em Cuba não é como ela retrata. Ele acredita que ela financiada por agentes externos (CIA?):

“João, sinceramente acho que dão atenção desproporcional à essa mulher. Concordo quando ela fala da falta de liberdade política e de expressão no país, mas o retrato que ela faz de Cuba é extremamente caricato e desproporcional à realidade. As pessoas não vivem como ela fala. Além, tem muita coisa estranha na atuação dela. Primeiro: você bem sabe a dificuldade que é acessar a internet aqui. Se ela tem acesso diário a internet, tem alguém bancando ou ela tá muito bem de vida... Segundo: achei um disparate o prêmio Ortega y Gasset ter sido concedido a um blog... Te afirmo que em Cuba esta mulher é totalmente desacreditada. Inclusive aqueles que criticam o regime não lhe dão legitimidade.”

Bueno, depois desta opinião forte, Enrique perguntou o que eu achava de tudo aquilo, o que eu estava achando de Cuba e qual era minha inclinação política. Dei uma bela sabonetada, pois não queria influenciar nas futuras respostas e relatos dele. Achei que qualquer opinião que eu desse poderia alterar o ritmo da fala, das revelações e da conversa. Para mim, o interessante era ouvir mais o Enrique e a família antes de começar a debater nossas diferenças políticas e ideológicas. Enfim, falei mais ou menos o seguinte:

“Bom, Enrique, eu creio que a vida do ser humano se baseia em dois direitos fundamentais: liberdade e igualdade. A escolha da preponderância de cada um deles é o que vai determinar a corrente ideológica que o indíviduo segue, bem como o sistema político-econômico de cada país. Países socialistas dão supremacia ao direito de igualdade, optando por fornecer condições de vida igualitárias em detrimento da liberdade individual e, por tabela, da democracia. Em países capitalistas ocorre o contrário, o direito à liberdade (e, de certo modo, a defesa da democracia) sobrepõe-se ao caráter igualitário e busca da justiça social. Eu, pessoalmente, não defendo, nem acredito no socialismo estrito pois, a mim, me parece que ele possui um defeito estrututal muito grave: um dos seus pilares é a crença de que os seres humanos são iguais. Nada mais errôneo que isso: os seres humanos são diferentes em suas aptidões e capacidades. (in)felizmente alguns são melhores que os outros e vão se destacar mais. Nada mais justo que serem melhor recompensados por isso! A competição e o empreendedorismo estimula o crescimento e o desenvolvimento pessoal e do país. E isso só ocorre num ambiente com liberdade de expressão e de iniciativa. Por isso o socialismo estrito não deu nem vai dar certo. Ele engessa o desenvolvimento do ser humano quando nivela todo mundo por baixo. O caso da paridade salarial sua e do lixeiro retrata muito bem isso. Garanto que você se sentiria muito mais motivado se ganhasse mais, ou se ganhasse de acordo com sua capacidade intelectual (que é maior que a do lixeiro). Ainda assim, Enrique, gostaria de deixar claro que não sou um liberal-capitalista extremado. Reconheço a imensa importância das idéias e realizações socialistas, principalmente quando atuam em contra-peso à voracidade liberal-capitalista. A social-democracia européia nasceu justamente das idéias socialistas que precisaram se adaptar para conviver em ambientes políticos liberais e econômicos capitalistas. Enfim, ajudaram a dar uma face mais humana, igualitária, social, a um ambiente liberal e capitalista. Isso ocorreu no Brasil também.”

“Concordo contigo, João. A falta de liberdade é a minha maior crítica a Cuba. Eu não posso ir a outro país, não posso viajar, falar o que penso na rua. Essa conversa que estamos tendo você jamais terá na rua ou com alguém que tenha conhecido há pouco tempo. Eu gostaria muito de visitar outros países, de receber amigos estrangeiros em casa de forma legal. Mas acredito muito no Raúl Castro, pois ele sempre foi mais ponderado e liberal que os outros membros do governo. Acredito que estamos no caminho certo e concordo com as reformas que ele está implementando. As coisas estão mudando, para melhor. Mas tudo tem seu tempo. Vivemos décadas sobre um regime e um modo de produção. Não se muda de uma hora pra outra. Toda mudança traz um choque e as pessoas precisam de tempo e informação para assimilarem. Ainda assim, acredito que com ele estamos no caminho certo.”

Depois desse papo cabeça fomos à cara da Mari e Wendy (mãe e irmã do Kike). Lá mais algumas revelações bombásticas! Na sexta-feira quando acordei tinha uma moça na casa do Enrique usando a máquina de lavar (um tanquinho). Era uma negra simpática de uns 35 anos. A Yení me apresentou ela (Mônica) e disse que tinha uma filha loira de olhos verdes. Fiquei rindo e fui tomar meu café-da-manhã.
Lá na casa da Mari, elas começaram a conversar com o Eric e comentar que ele é muito branco e ruivo. A Yení comentou que ele parecia a filha loira da Mônica. Ni qui ela comentou isso a Mari já emendou:

“É... a irmã do Kike... a outra, sem ser a Wendy...”

Enrique ficou meio sem graça, mas a Wendy já complementou:

“João, você conheceu a filha do Roly??? Ele nega, mas todo mundo sabe ele é o pai da filha da Mônica! Inclusive ela é igualzinha ao Enrique quando pequeno!!”

Eu juntei aquela revelação, com um comentário que eu havia escutado num jantar alguns dias antes na casa do Enrique e conclui:

ESSE ROLANDO (ROLY) É O VERDADEIRO ROLANDO LERO!!!! DESCAAAAARADO PRA CARALHO!!!! A PIPA DO VOVÔ SOBE, SIM! O COROA JÁ PASSOU DOS 70 MAS TÁ CARCANDO A VIZINHANÇA!!!

Vira e mexe ele some durante o dia e sempre encontrávamos na casa da Mônica.

Tião, que já achava o Roly gente fina, encontrou mais um gambá. Tal pai, tal filho.

Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

No es fácil...




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